As discussões em torno das alterações climáticas dão panos para mangas e quase podemos incluir as pessoas em três grupos distintos: os que acreditam e se assustam, os que sabem mas desvalorizam e os negacionistas, que afirmam que tudo não passa de um embuste.
Quer seja cético ou crente, a verdade é só uma – o planeta Terra tem um tamanho fixo – que é o mesmo que dizer que tem limites – e, tanto quanto se sabe, não aumenta de tamanho. Para bom entendedor meia palavra basta: se o planeta é finito, os recursos também o são. No entanto, esta é uma questão tão complexa e distante da realidade da maioria das pessoas que pode ser fácil de desvalorizar e esquecer.
Como é que a maioria de nós, na nossa ocupada vida citadina, poderá entender as repercussões negativas da degradação do solo, da desflorestação, da agro-pecuária, da pesca intensiva ou da constante perda de biodiversidade que se tem vindo a verificar a nível mundial? Ou perceber os impactos da produção de um computador ou da importação de alimentos do outro lado do mundo?
A verdade é que, no final de 2019, mais de onze mil cientistas a nível mundial tornaram a lançar o alerta para a emergência destas questões[i]. As evidências da crise ambiental são fidedignas e abundantes e, na maior parte das vezes, assustadoras. Uma das métricas mais conhecidas e que nos dá uma ideia bastante geral (não deixando de ser simplista) da enormidade desta questão, é a do Earth Overshoot Day[ii], que pretende assinalar, todos os anos, a data em que atingimos o limite de recursos que a Terra pode renovar num ano. Esta data é calculada com base na comparação entre o consumo total da humanidade (pegada ecológica) e a capacidade da Terra se regenerar, criando recursos naturais (biocapacidade). Assinalado pela primeira vez no início da década de 70, este dia tem chegado, ano após ano, cada vez mais cedo: em 1997 ocorreu no final de setembro, em 2018 foi a 1 de agosto e em 2019 a 29 de julho. Em 2020, no entanto, e resultado do confinamento forçado causado pela pandemia, a data retraiu, tendo-se assinalado a 22 de agosto. No entanto, à medida que a vida volta ao normal e os nossos hábitos caem novamente para tendências pré-pandemia, o esperado é que já este ano a data se assinale ainda mais cedo.
A partir da análise dos resultados de 2019[iii] foi possível determinar que, nesse ano, foi exercida uma procura 1.75 vezes superior à capacidade de regeneração dos ecossistemas terrestres. Isto significa que o planeta produz uma determinada quantidade de recursos por ano e nós, não só os estamos a utilizar todos, como também estamos a gastar a reserva de recursos que têm sido acumulados desde que a Terra existe. Estes recursos acumulados do planeta são, de facto, a única razão para ainda não estarmos a sentir (muito) os efeitos deste gasto excessivo de recursos.
Os limites do Planeta

As dimensões e a capacidade da terra permanecem estáveis, independentemente do número de pessoas que habitem a Terra e gastem os seus recursos. Na realidade, não se sabe qual é a quantidade máxima de pessoas que o planeta pode suportar. As estimativas são flexíveis e dependem sobretudo dos nossos padrões de produção e de consumo. Sete mil milhões de pessoas a consumir pelos padrões europeus não é bem a mesma coisa que sete mil milhões a consumir pelos padrões da Etiópia, pois não? Esta questão levanta sérias preocupações éticas e morais sobre a equidade na distribuição dos recursos e juízos sobre quanto é suficiente. A questão não é quantas pessoas o planeta pode suportar: é qual o nível de consumo que pode suportar para albergar as onze mil milhões de pessoas que se estima que habitarão a Terra em 2100[iv].
Atualmente, emite-se mais dióxido de carbono para a atmosfera do que aquilo que os oceanos e florestas podem absorver. Pesca-se e colhe-se mais – e mais rapidamente – do que a capacidade das espécies em se reproduzirem.
Os cientistas têm vindo continuamente a estudar estas questões e, recentemente, identificaram nove limites especialmente sensíveis que, se ultrapassados, podem colocar em risco a vida na Terra tal como a conhecemos.[v] Três deles são preocupantes e estima-se que a humanidade já os tenha ultrapassado: alterações climáticas, perda de biodiversidade e mudanças no ciclo do nitrogénio. Segundo o Centro de Resiliência de Estocolmo, que estuda e define estes parâmetros, os dois primeiros limites possuem um impacto maior que os restantes em termos de possíveis mudanças que possam ocorrer por serem ultrapassados.
Desde a Revolução Industrial, as concentrações de carbono (CO2) na atmosfera aumentaram de 280 partes por milhão para 414 partes por milhão, dados de maio de 2019[vi]. O nível que os cientistas consideram seguro, ou seja, que fica dentro do limite, são 350 partes por milhão[vii]. A perspetiva é que este valor continue a aumentar durante os próximos anos, apesar dos «esforços» que têm sido levados a cabo a nível mundial para o estagnar ou diminuir.
Com o limite relacionado com a perda de biodiversidade passa-se o mesmo: desde o Antropoceno, as atividades humanas causaram o aumento da taxa de extinção das espécies entre cem a mil vezes, relativamente a taxas de extinção anteriores ao Homem. Todos os anos se perdem milhares de espécies, entre fauna e flora – estima-se que entre dez mil e cem mil espécies por ano[viii]. E com isto se perdem também possíveis avanços ao nível da medicina, por exemplo.
Um relatório sobre a biodiversidade global, lançado em 2019[ix], juntou a investigação e as opiniões de 400 cientistas e chegou à conclusão de que «a destruição da biodiversidade e dos ecossistemas atingiu níveis que ameaçam o bem-estar da humanidade, pelo menos tanto quanto as alterações climáticas induzidas pelo ser humano», sendo necessária «uma mudança revolucionária para impedir uma crise de extinção global sem precedentes».
Ainda de acordo com este relatório, «cerca de um milhão de todas as espécies do planeta enfrentam a extinção, muitas delas dentro de poucas décadas; três quartos da vida terrestre e cerca de 66% da vida marinha foi significativamente alterada pelo impacto humano; cerca de um terço da terra e de 75% da água doce é agora dedicado à produção agrícola e pecuária; à exceção de uma parte muito pequena (7%), todos os grandes stocks de pesca do mundo estão em declínio, devido à sua sobre-exploração; as áreas urbanas duplicaram em dimensão nos últimos 15 anos; foram perdidos 2,9 milhões de hectares de floresta desde 1990, numa área correspondente à dimensão da Alemanha; a poluição pelo plástico aumentou dez vezes desde 1980 e foram identificadas mais de 400 «zonas mortas» nos oceanos com uma área combinada de 245 mil quilómetros quadrados, maior que o Reino Unido.»[x]
A perda de biodiversidade, além de uma questão ambiental vital é, agora, também um problema de desenvolvimento económico e social, uma questão de segurança e uma preocupação moral.
Conservar a natureza é desenvolver a sustentabilidade da base material da civilização, e, reciprocamente, o único veículo capaz de promover o elo espiritual que pode e deve unir todos os homens de todas as culturas e lugares na prossecução de um fim que todos nós temos, afinal, em comum: a preservação da vida.
Viver de acordo com os limites do nosso planeta pode parecer um desafio, especialmente com uma população em crescimento e com milhões de pessoas que ainda precisam efetivamente de crescer para satisfazerem as suas necessidades básicas. Isto deixa-nos num impasse e com uma questão de vital importância: estaremos dispostos a diminuir para que outros possam crescer e ter as condições necessárias para se começarem também a importar com estas questões? Porque não nos enganemos: não podemos pedir a quem não tem nada que ponha o planeta acima do seu bem-estar.
Vivemos uma emergência climática, mas, da mesma forma que foram os países ricos que a impulsionaram, é de cá que deverão sair também as alternativas e as soluções. É imperativo conseguirmos um equilíbrio no consumo, mesmo tento em conta o desenvolvimento de diversos países e comunidades. Isto pode ser feito de várias formas, desde uma maior eficiência energética, da adoção de modelos de economia circular que re-significam o conceito de «lixo» e de «resíduos», do desenvolvimento de soluções baseadas na natureza e, sobretudo, através de uma drástica diminuição do consumo por parte dos países desenvolvidos.
Será que ainda vamos a tempo?
- [i] https://www.dn.pt/vida-e-futuro/emergencia-climatica-cientistas-mundiais-alertam-para-sofrimento-incalculavel-11481414.html
- [ii] https://www.overshootday.org/
- [iii] https://www.overshootday.org/
- [iv] «World Population Prospects, 2019», Nações Unidas; https://population.un.org/wpp/Publications/
- [v] Se tiver interesse em aprofundar esta questão, poderá consultar o estudo «Panet Boundaries: Guiding Human Development on a Changing Planet» que lhe dará uma perspetiva geral dos 9 limites. https://science.sciencemag.org/content/347/6223/1259855 por Steffen, W. et al, 2015
- [vi] Trends in Atmospheric Carbon Dioxide, Earth System Research Laboratory – Global Monitoring Division. https://www.esrl.noaa.gov/gmd/ccgg/trends/full.html
- [vii] https://sustainabilityadvantage.com/2014/01/07/co2-why-450-ppm-is-dangerous-and-350-ppm-is-safe/
- [viii] https://wwf.panda.org/our_work/biodiversity/biodiversity/
- [ix] 2019, https://ipbes.net/news/Media-Release-Global-Assessment
- [x] https://bcsdportugal.org/retorno-sobre-investimento-na-biodiversidade/
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